Uma jornalista com quase três décadas de profissão e que fez coberturas em cerca de 60 países. Ela é repórter, apresentadora, correspondente internacional e… Minha irmã mais velha. Por isso, nem preciso dizer que é uma grande referência para mim. Diretamente de Paris, Sonia Blota é a minha convidada de hoje.
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Nesse bate-papo em família, Sonia conta por que decidiu se aventurar na Comunicação e o percurso que trilhou até se tornar um dos grandes nomes do Jornalismo nacional e internacional. No mês em que celebra seus 25 anos em frente às câmeras da TV Bandeirantes, Sonia compartilha momentos de bastidores e ainda dá dicas para quem está em início de carreira.
CHRISTIANO BLOTA – É uma felicidade ter você aqui na coluna, Sonia. Para começar, por que você decidiu ser jornalista?
SONIA BLOTA – Me lembro que decidi ser jornalista aos 9 anos de idade. No começo dos anos 1980, nosso pai tinha viajado e me trouxe um gravador pequenininho, aqueles que tinham fita. Não sei se os mais jovens conhecem, hoje é um artigo vintage. Mas eu comecei a brincar de entrevistar pessoas – pessoas na família, no bairro, enfim, com todo mundo que passava eu queria fazer uma entrevista com aquele gravadorzinho. Depois, passei a criar um programa e por aí foi. O que começou como uma brincadeira, acho que eu levei a sério e coloquei na cabeça, então sempre quis ser jornalista. Porém, na minha época de vestibular, existia um impasse: se o diploma de jornalismo valeria ou não. E o maior sonho da minha vida era ter um diploma universitário. Por isso, em 1989, entrei na faculdade de direito e cursei junto com jornalismo. Num primeiro momento, tranquei a de jornalismo, porque a faculdade de direito é muito difícil nos primeiros anos. Mas, no terceiro ano de direito, voltei para o jornalismo. Me formei em direito em 1993 e em jornalismo em 1994. As duas festas de colação de grau foram em 1994.
Bom, é aqui que começa a batalha, porque, no direito, você já começa a trabalhar desde a faculdade – é preciso arrumar um estágio, já que isso conta pontos para as provas, inclusive para o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Eu estava trabalhando na Price Waterhouse, uma grande empresa, onde passei com louvor em um concurso de mil pessoas e eu fiquei entre os 10 primeiros colocados. Então, nesse momento, eu já estava habituada com o trabalho no direito. Mas queria ser jornalista. Eu era uma jovem advogada, de 22 anos, procurando estágio de jornalismo. As pessoas olhavam para mim e falavam: “Não, você não vai trocar essa carreira certa” ou “Como assim uma advogada querendo ser estagiária de jornalismo?”. Só que o coração falou mais alto e, quando o Celso Teixeira, que era meu professor na Cásper Líbero, falou que tinha uma vaga de estagiário no SBT, no então jornal do Boris Casoy [TJ Brasil, no ar de 1988 a 1997), eu disse: “Celso, eu quero, pelo amor de Deus! Essa é a minha chance de entrar!”. A coisa que eu mais queria na vida era ser repórter, sempre quis. E de rua! Essa experiência, essa troca de energia. A reportagem é onde verdadeiramente você conta as histórias. Claro que todas as funções na redação são muito importantes, mas eu sou suspeita em dizer que a reportagem me ensinou muita coisa.
CB – E como foi o seu início de carreira? Conta um pouco das dificuldades e aprendizados…
SB – Olha, é muito difícil! Não tem glamour nenhum nessa profissão, você tem que se jogar. Não tem horário para acordar, para dormir, para comer. Tem uma grande frase do Tonico Ferreira que diz: “Coma agora, você não sabe quando vai comer de novo”. E, durante uma cobertura, isso é verdade. Muitas vezes você passa dias sem saber o que vai acontecer. Não dá para ter uma vida programada. Por exemplo: “Vou tirar férias no mês tal”, só que, no mês tal, se acontecer alguma coisa que diz respeito a você como profissional, você terá que desmarcar as férias. Como a morte do Papa: acontece de o correspondente do Vaticano estar de férias e ter que voltar. O que se tem que ter em mente é que é uma profissão por amor. É uma missão. Ela não tem glamour nenhum, mas eu a amo. Amo, amo, amo!
Já a dificuldade é mais a de entrar no mercado. No meu caso, vocês podem perguntar “Ah, mas você tem um sobrenome famoso. Isso não te abriu portas?”. Ao contrário: foi muito mais difícil. Meus avós foram apresentadores de televisão e rádio muito famosos, a Sonia Ribeiro e o Blota Júnior, então as pessoas te olham com certo preconceito, é humano. É aquela coisa: “Por que ela quer também?”. Ué, eu respirei isso, não posso querer também? É igual a uma família de médicos, mas você tem que ser um bom médico. Então, a minha cobrança pessoal era sempre ser tão boa quanto. Não chego num mindinho do pé deles, mas eu tentei fazer o meu melhor. Sempre tentar fazer o melhor é o ponto de partida para tudo. E tem também aquela dificuldade de você se mostrar competente. E você só mostra isso na prática, abraçando as matérias, fazendo muita porta de delegacia, fazendo muito ao vivo na Rodovia dos Imigrantes.
Então sabe aquela oportunidade do estágio? Inscreva-se! Liga, manda WhatsApp. “Oi, lembra de mim?”. “Ah, a pessoa leu, ficou azulzinho no WhatsApp, mas não está respondendo”, manda de novo. Ela vai responder, nem que seja para falar “Fulano, pelo amor de Deus, você já está enchendo a minha caixa”, mas é uma tentativa. Você nunca vai se arrepender pela omissão, tem que tentar.
Outra coisa: aprendizado é humildade. Não adianta chegar de salto alto, não adianta dar a cartada do “Eu apareci na televisão”. Você é um soldado como outro qualquer. Você por acaso aparece na televisão. O Brasil tem essa mania de glamourizar quem aparece na televisão, de quem põe a cara no vídeo. Aqui na Europa não tem essas coisas não, viu?!
Em todo caso, eu sou formada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, que sempre prezou muito pelo impresso – que é a experiência que todo mundo tem que ter, isso é inegável. Mas falar que você quer televisão, num primeiro momento, é meio complicado. Na minha época, você tinha que escrever muito bem para falar muito bem. E ainda hoje é essa a premissa, porque senão você desqualifica muito a nossa profissão. Você sabe que, apesar das redes terem democratizado mais o jornalismo, a gente lê de tudo, a gente assiste de tudo, e tem coisas que não são jornalismo de fato.
CB – Como surgiu a oportunidade de ser correspondente internacional?
SB – Eu sou correspondente em Paris desde 2011. Fui uma época para o Brasil, mas, quando começou a Guerra na Ucrânia, a “nave mãe” (risos) me mandou de volta para a França, que é onde estou e sou muito feliz. Acho que nessa fase da minha carreira, que já são quase 30 anos, dá para fazer um trabalho jornalístico diferente, com outro tipo de olhar, um olhar mais voltado para a geopolítica.
A oportunidade de ser correspondente foi de ouro. Eu já estava acompanhando há algum tempo as viagens internacionais do então presidente Lula no primeiro e segundo mandatos dele [entre 2003 e 2010]. Passei três anos por Brasília e foi uma experiência incrível! Uma experiência que todo mundo deveria passar, porque se aprende muito – e olha que eu cheguei lá com os meus 30 e tantos anos, achando que já sabia de muita coisa, mas aprendi um bocado. Nessas viagens, eu conheci vários lugares. Falar línguas facilita a vida nesse ponto.
Faço uma pausa aqui para comentar que a Sonia é poliglota: além do português, fala inglês, espanhol, francês e um pouco de italiano. E ela continua:
SB – Eu já tinha aquela vontade e sempre sugeria matérias internacionais. Em 2011, fui chamada na sala do chefe. Ele lançou: “Você pode ir para Paris?”. Eu falei que podia. Na época, a presidente já era a Dilma [Rousseff], por isso, perguntei: “Quando a Dilma vai?”. Ele respondeu: “Não é a Dilma, é você. E é para morar. Fala agora, eu preciso dessa resposta já”. Eu fiquei: “Ai, meu Deus, ai, meu Deus… sim!”. Pensei: “Depois vejo o que vai acontecer”. Bom, o resultado é que, quase 11 anos depois, estamos aqui e estamos muito felizes. As coisas acontecem assim, num segundo, o jornalismo é assim. A coisa vira de uma hora para a outra. Esse foi um projeto muito bem sucedido. A Band tem uma ótima reputação com os correspondentes, com o plano internacional e com as parcerias das agências internacionais. Me orgulha muito ter feito parte do embrião desse projeto.
CB – Sonia, compartilha com a gente alguma experiência inusitada no jornalismo…
SB – Vou contar uma coisa para incentivar. Tenho várias, tá? Mas vocês vão esperar o meu livro, que vai sair, se Deus quiser. Em 1998, Copa do Mundo da França, eu era uma repórter do jornal local do Canal 21, do Grupo Bandeirantes de Comunicação. Foi como eu comecei lá – tem 25 anos isso, bodas de prata! Bom, e todos os pesos pesados do jornalismo foram para a França cobrir a Copa. Era uma seleção que estava bombando e que embarcou no Aeroporto de Guarulhos. Todos os repórteres já tinham viajado, só tinha eu no horário, e eu não cobria futebol, como até hoje não cubro esporte. Eu faço só como “quebra-galho”, não é o meu “métier”, porque realmente me especializei em geopolítica. Então, no meio do ao vivo no aeroporto, vejo o jogador César Sampaio passar com as duas filhas. Eu puxei ele para entrevistá-lo ao vivo e perguntei: “Você vai fazer gols para as suas filhas?”. Ele respondeu: “Não faço gols, eu tiro gols. Sou o volante”. Até então, para mim, “volante”, meu Deus, o que era isso?
Cheguei na redação massacrada por aquele clube dos entendidos do esporte. “Que pergunta é essa? Que pena de você”, diziam. Nada como um dia depois do outro. E nada como um chefe que tem visão. No dia da estreia do Brasil na Copa, meu chefe me mandou para a casa do César Sampaio. As pessoas deram risada, acharam que era gozação dele. E quem fez o primeiro gol da Copa? César Sampaio. Quem fez o segundo gol da Copa? César Sampaio. Depois o Luciano do Valle me chamou ao vivo da França e eu entrei me achando. Recuperei a entrevista e ainda falei: “Naquela época, há um mês, ele não acreditava na possibilidade de fazer gols, mas César Sampaio foi o grande herói”. Como eu era a única repórter que estava lá com a família do César Sampaio, eu carimbei meu passaporte para a Copa seguinte. Às vezes você acha que foi mal, mas tem alguém lá em cima. Você tem que saber aproveitar as oportunidades também. As portas estão abertas. Você tem que fazer por merecer.
CB – Sonia, quais recados e conselhos você deixa para os jornalistas que estão iniciando as atividades na área?
SB – Falei bastante coisa aqui, mas vou repetir: humildade e vontade. Não se sinta preterido porque você teve um “não” da primeira vez. Faça estágio desde cedo. E leia muito! Um livro por semana, pode ser? Vamos combinar assim? Isso é muito importante. Obviamente, leiam notícias, isso já é lição de casa. E inglês: coloquem sempre o inglês em ordem. Escolha uma outra língua que vocês gostem, porque dá para aprender duas. Eu aprendi francês mais velha e foi ótimo para mim, me apaixonei por essa língua. Sou apaixonada por essa cultura. Quando eu falo da França, me emociono. Eu sempre dou esse exemplo: na Europa, vão estar no mesmo evento uma pessoa de smoking e alguém de calça jeans e camiseta e ninguém vai julgar. Sabe como eles julgam? Se você não tem conhecimento, se você não estudou. Por isso, a gente tem que lutar por um país que inclua as pessoas em um plano de educação digno e decente. Isso é um direito do cidadão. A gente tem que brigar por isso e, quanto mais conhecimento, melhor.
Tenha uma bela agenda e faça contatos. É importante conhecer gente, falar. Às vezes, tem até que ser um pouco chato, mas dá para ser chato sendo agradável. Eu sempre fiz perguntas difíceis para os entrevistados, mas nenhum deles pode dizer que eu fui grossa, porque não é para ser grossa. Não é o papel do repórter. A gente tem que perguntar e eles têm que responder, é simples assim. É uma equação muito simples. Você não tem que estudar performances e lacração – esquece isso!, senão você não vai ser jornalista. Rede social é outra coisa. Você aproveita as redes para colocar seu trabalho nelas, mas jornalismo é isso que estou falando para vocês. Jornalismo raiz, tá? E não é um jornalismo que está por fora, não, porque o Grupo Bandeirantes de Comunicação tem mais de 85 anos e temos gente de todas as idades, de todas as gerações, o que me orgulha muito. Eu sou daquela geração do meio (risos).
CB – Sonia, para fechar, a pergunta que eu sempre faço aos meus entrevistados é: o que você gosta de fazer Por Trás da Tela?
SB – Chris, por trás da tela, eu gosto de cozinhar. O “trivialzinho” faço todo dia, mas gosto de pegar um sábado e brincar de mestre-cuca – se bem que o grande MasterChef da família é você. Mas sabe que estou melhorando?! Meu marido tem gostado muito (risos). E olha que ele é exigente. Gosto muito de filmes, sou viciada em “maratonar” séries – séries de qualquer tipo, de qualquer nacionalidade, até mesmo se for para eu falar mal depois, mas gosto de assistir. Tem meus livros, que são minha paixão, incluindo os meus quadrinhos, porque sou colecionadora de quadrinhos. Ainda na parte da cozinha, ainda sou do tipo “supermercado e grandes temperos”. Me deram uma aula de presente sobre peixes na Le Cordon Bleu. Lá, você vê que ele tem que ser pescado, tem que entender de anatomia do peixe, tirar o fígado… E depois deixar um prato lindo na mesa. Foram três horas de aula, mas aí eu imaginei: e quando eu tiver que fazer isso com um coelho? E quando forem bichinhos fofinhos que eu não como? Bem complicado… Então vamos dizer que a minha brincadeira de mestre-cuca é um pouco limitada. Um beijo!
Espero que vocês tenham gostado do papo em família – e dos tantos ensinamentos que a Sonia tem para dar. Até a próxima!